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Ricardo Jorge Claudino

Escritor, poeta de poemas e pensante

Escritor, poeta de poemas e pensante

Ricardo Jorge Claudino

02
Jul21

A pergunta

ricardojorgeclaudino

pergunta o velho ao jovem,
sabes o que esta casa gasta?
e prosseguiu sem esperar resposta:
mais do que as contas normais,
o desgaste das paredes e
algumas telhas que vão caindo.
a sombra que persegue a minha voz
é a maior despesa desta casa.

o jovem ficou em silêncio
longe da sua própria sombra;
quem cala consente
ou está ausente na fraqueza
de simplesmente concordar.

não eram palavras
nem teses fundamentadas
que o velho esperava ouvir.

hoje o jovem vai partir
para a terra prometida
e o velho sabe (porque sente)
que quem parte assim
volta sempre.

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08
Jan21

Vertiginosa vontade

ricardojorgeclaudino

Raros pontos altos 

tem o Alentejo; mas

sempre que me 

posiciono no topo

de um deles, sinto

a vertiginosa vontade

de gritar: daqui eu vejo

toda a grandeza do mundo!

 

É preciso pensar que existe mais;

se não sairmos do nosso lugar

não podemos esperar nada

e não sabemos como

caminhar,

sonhar

ou até mesmo, voar!

20
Nov20

Ó Sol que raias p’la manhã

ricardojorgeclaudino

Ó Sol que raias p’la manhã cedinho,

aceita estas nossas graças, 

por mais um dia com saúde 

e aquece o nosso caminho.

 

Alimenta a terra cultivada, 

mas tem avondo com a tua força,

não nos leves tanta água, 

e apoia a nossa empreitada. 

 

Quando o meio dia bater 

e alcançares o teu esplendor, 

lembra-te que a teu redor 

há o suor que nos tenta deter.

 

Mesmo com uma ou duas insolações,

mesmo com a sola das botas a ferver,

podemos confiar nas intenções

que movem o teu ser. 

 

Enquanto a noite cai 

fazes sempre do mesmo jeito:

deslumbras os casais apaixonados,

aconchegas quem esteve do teu lado,

e deixas a promessa de um amanhã

trazido por inteiro.

13
Nov20

O relógio do sol

ricardojorgeclaudino

No meio urbano

todas as horas contam,

porque todos os minutos

e todos os segundos

são contados.

 

A vida da criança da cidade

tem o mesmo fulgor

que a vida do adolescente,

do adulto e do velho,

em seu redor.

 

A criança da cidade

tem um relógio

e sabe a que horas

tem de fazer o que deve ser feito;

embora desconheça que,

o que deve ser feito,

nem sempre se enquadra

com o que realmente se deveria fazer.

 

O mal começa quando há hora marcada.

O mal termina quando a criança,

desprovida do seu próprio conhecimento,

passa a adolescência, 

a vida adulta

e a velhice

a lutar contra o tempo.

 

A criança do campo

nem tão pouco sabe as horas do recolher,

mas sabe que enquanto houver sol

há coisas para aprender.

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23
Out20

A sombra e o chaparro

ricardojorgeclaudino

A sombra do vento

cai sobre o chaparro;

fico com a sensação

de que o calor, exausto,

se deu por vencido.

Apenas aqui me sento

porque um alentejano

só se senta para pensar.

 

O vento sopra

e a sombra abraça-me.

 

Penso em negar-lhe o momento;

atroz este meu pensamento

que espera sempre mais

de quem dá menos.

 

Talvez tenha sido uma má escolha;

— mea-culpa,

há mais chaparros nesta terra e

as escolhas passam a ser histórias

(e as histórias, um dia, serão vida).

Mas aqui, e agora:

só me apetece pensar.

 

Suavemente, assim como um sopro

que acalenta os ramos deste chaparro,

o erro faz-se soar;

desde a minha própria sombra

escuto a voz que me quer guiar.

 

É o vento,

é a terra,

é a natureza,

é o amarelo,

é a luz e a penumbra

e é, também, este chaparro.

 

Graças à desertificação deste lugar

os meus olhos desenham uma planície sem obstáculos.

Não há prédios, casas, ruas ou estradas;

não há pessoas, carros, caos ou nada.

 

Na verdade,

sei que anda por aí um pastor;

apesar de não o vislumbrar,

o som cintilante dos chocalhos

dança ao ritmo do cajado que

solenemente bate no chão.

 

Como é aconchegante estar rodeado de nada!

Sem paredes, sem ouvidos,

— só estar aqui me basta.

 

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Fotografia de Daniel Janeiro

16
Out20

Para além do Tejo

ricardojorgeclaudino

(entre a batalha de Ourique e a chegada a Calecute)

 

A sul do Tejo

fica a terra que a norte

se via muito para além

do tempo.

 

A jovem nação,

refém entre vales e serras,

por fim avista a luz do horizonte:

— lonjura de um sonho infinito!

 

Imenso latifúndio sem relevos

recompensa para lá do rio;

marcham os portucalenses

por estradas de fastio.

 

Parecem lírios caminhantes,

faces firmes escondem a roxa fraqueza;

cavaleiros a galope re-conquistam o ar

que agora brando se faz respirar.

 

Por tamanha sorte,

pela expansão do território a sul,

surge a lição derradeira:

— que pelo mar se inicie a descoberta

de uma vida inteira!

 

Caravelas extravagantes em curiosidade,

herança viva do Alentejo;

fosse o rio o mar e Ourique Calecute

e haveria mais esperança para além

do nosso olhar.

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09
Out20

Interior

ricardojorgeclaudino

A família está toda reunida em volta da braseira

que quente vai soprando a fria noite de lua cheia.

Enquanto uns conversam outros beliscam o pão,

o toucinho, o queijo e o vinho; são onze e meia

e juntos celebram o inverno que quis ser verão.

 

Enquanto o ar quente sobe

a braseira tenta acompanhar o calor da conversa.

 

Vão chegando do trabalho, cada um a seu ritmo;

penduram os casacos nas cadeiras vagas

e rápido procuram vaga na roda das conversas.

Se público houvesse, nada inteirava.

 

Falam alto um português distante,

trocam a faca pelo garfo e o garfo pelas mãos,

não trocam de prato quando vem a fruta

e dizem que o amor é o mais importante.

 

— Que estranho se vive no «interior».

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03
Out20

Ténue Planície

ricardojorgeclaudino

— A vida podia ser apenas

estar sentado admirando a planície;

Cheirar o campo,

olhar um malmequer

e louvar o horizonte.

A vida podia ser apenas a vida,

sem a tentação de arrancar pétalas

em busca de respostas já sabidas.

Quem tem o direito de matar

lentamente uma flor?

Esperar que o seu último suspiro

seja um «bem-me-quer»?!

 

Prefiro estar sentado

e deixar-me admirar

pelo bem ou pelo mal que vier.

18
Set20

As voltas de um ciclo

ricardojorgeclaudino

I - 1960’s


O Alentejo é uma imensidão de gente.
Do litoral ao interior,
em cada casa, em cada aldeia,
há vida que canta alegre e arduamente.


A grande metrópole inveja a simplicidade.
Os feriados de cada terra
dançam até de madrugada,
no baile e na festa celebra-se a felicidade.


II - 1980’s

O Alentejo ainda é uma imensidão de gente.
Esta gente faz planos
em prol da terra mãe,
a mesma que um dia brotou a sua semente.


A grande metrópole ainda inveja a simplicidade.
Cavaleiro citadino de espada na mão
deseja trespassar a alma do aldeão,
falha o coração, regressa à cidade.


III - 1990’s

O Alentejo começa a perder gente.
A tortura dos mais velhos
é ver os novos abalarem lentamente;
ninguém nota, pouco se sabe, tudo se sente.


A grande metrópole não inveja a simplicidade.
Tem um número invejável de soldados,
cansados, desmoralizados;
erra ao pensar que o número faz a totalidade.


IV - 2020’s


O ciclo desenha o progresso;
desconhece-se o ponto inicial,
o fim é temporário,
certo é o nosso regresso.

11
Set20

Ser casa

ricardojorgeclaudino

Tenho duas casas paralelas
aconchegando-me em tempos paralelos;
é como se uma estivesse abraçando o céu
e a outra beijando raízes profundas na terra.
Na linha ténue desenhada pelo horizonte
quase que ambas se tocam, mas o quase
é algo que não chegou a ser; é a miragem
que relança questões para além do incerto.
Bem sei que sou a perpendicularidade
entre cada uma delas. Por isso fecho os olhos,
estendo os braços, e com uma casa de cada lado
deixo que os caminhos sejam traçados
nas linhas escritas por cada passo,
por cada enlace e por cada momento.

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Imagem de montesdoalentejo.blogspot.com

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